22ª Mostra de Tiradentes: Parque Oeste

Eis que surge Parque Oeste (2018) atestando mais uma vez a potência do documentário brasileiro contemporâneo. O longa goiano foi exibido na Mostra Olhos Livres em Tiradentes e recebeu o Troféu Barroco da categoria. A premiação ficou a cargo do Júri Jovem, formado por 5 minas universitárias selecionadas em Oficina realizada previamente em Belo Horizonte: Beatriz Diamico Praça (UFF), Iakima Delamare (UFMG), Izabela Santiago Silva (PUC Minas), Larissa de Freitas Muniz (UFMG) e Maria Eduarda Martins Gambogi Alvarenga (UFF). O filme acompanha a narrativa de Eronilde, antiga moradora do Parque Oeste, ocupação em que mais de 3000 moradias foram derrubadas 13 anos atrás, em ação de extrema violência policial que passou batida pela mídia.

A escolha pela obra é mais do que apropriada, uma vez que o filme de Fabiana Assis não só carrega uma enorme força política e emancipatória, mas também concentra grande parte das características de linguagem que vêm marcando a extensa safra de documentários realizados no país. Temos os tradicionais talking heads – personagens discursando em plano médio. Sim, temos. Mas temos também as sequências em que acompanhamos a ação presente dos personagens, nas quais não sabemos ao certo se assistimos a uma simulação – em que os limites entre documentário e ficção se confundem.

Eronilde, protagonista que canaliza as memórias da tragédia social acometida na região, nos ajuda a revisitar o passado ao mesmo tempo em que conduz a ação presente e trilha os passos para o futuro. É retratada por exemplo, em reunião com as amigas na própria casa, planejando as atividades para reconstrução do bairro desocupado. O dispositivo é semelhante àquele comumente visto nos filmes de Maria Augusta Ramos. Em O Processo (2018), a diretora revisita as memórias recentes do impeachment de Dilma Rousseff, mas também acompanha reuniões da cúpula do PT, além de nos legar vários momentos íntimos com Gleisi Hoffmann falando ao telefone ou simplesmente caminhando pelas ruas de Brasília. Cinema direto? Ou são personagens performando a si mesmos? Gabriel Mascaro nos traz a mesma dúvida em Avenida Brasília Formosa (2010). São inúmeros os exemplos.

Parque Oeste também traz imagens de arquivo, captadas em celular e em baixa resolução, que se estendem por longos minutos e criam narrativa através da montagem. Assim como Júlia Murat fez em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (2017, exibido na Mostra de Tiradentes anterior). Aqui, porém, há um diferencial que inova: a trilha sonora. Uma música bastante densa, semelhante a de filmes de horror, nos afasta por vários momentos do universo do documentário e nos insere em uma atmosfera found footage. É como se assistíssemos Holocausto Canibal (1980, Ruggero Deoadato) ou A Bruxa de Blair (1999, Daniel Myrick e Eduardo Sanchez), com a diferença de que aqui as imagens pessoais e de arquivo são, de fato, pessoais e de arquivo. Temos, portanto, a operação inversa daquela citada anteriormente: lá, possíveis simulações passam por registros; aqui, registros ganham ares de ficção. O recurso dá força às imagens, pois imergimos através do horror – do medo e da repulsa – na vida real vivida por aquelas pessoas naquele momento histórico terrível em que o Estado destilou sem pudores toda a sua brutalidade.

O longa abre espaço para que a produção goiana se insira com maestria no circuito independente do novíssimo cinema brasileiro. Carrega a força dos sombrios tempos atuais através da denúncia política, ao mesmo tempo em que não se enviesa na depressão ou no vazio, apontando possibilidades de futuro. É um filme que se movimenta e que espera do seu público que se movimente. Portanto, não abaixemos as nossas cabeças. A 22ª Mostra, reduto talvez ainda isolado de resistência, urge em se expandir para os outros cantos do país.

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